BALÕES PORTUGAL

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quarta-feira, 15 de outubro de 2014


“JOEIRAS AO ALTO”
A TRADIÇÃO DOS PAPAGAIOS ARTESANAIS NA ILHA DA MADEIRA


De autoria de Marta Caires, do Jornal Correio da Venezuela e editado recentemente neste órgão de informação, deixamos aqui publicado o seu texto-reportagem sobre as Joeiras, modelo de papagaios de papel de seda, uma tradição que ainda é praticada em diversas localidades da Ilha da Madeira.
“As joeiras, a versão madeirense dos papagaios de papel, foram muito populares até ao início dos anos 80. Quando o céu passou a se encher de fios de telefones e de luz, deixou de haver espaço para as lançar ao vento dos terraços. Hoje, quase só aparecem nos concursos promovidos pelas juntas de freguesia e as casas do povo (como em São Roque), algumas já com alterações, construídas por pais e avós, homens acima dos 45 anos e que nos anos 70, passavam as tardes de Verão a lançar a joeira.
Para se perceber a importância destes brinquedos, é preciso imaginar a Ilha da Madeira há 40 anos atrás, quando nem todas as casas tinham eletricidade e telefone havia só um, daqueles pretos, na mercearia, na igreja ou em casa de alguém com posses. Nem sequer havia luz em todos os caminhos. O céu estava livre de fios cruzados e as crianças, que corriam em bandos pelos sítios, tinham poucos brinquedos. Um carrinho na Festa e mesmo assim, não era para todos.
Sem brinquedos e três meses de férias da escola, o remédio era inventar e as joeiras eram então muito populares. Não se podia dizer que fossem baratas, mas era uma coisa que se fazia com alguma segurança. O mais caro era mesmo o barbante – fio norte – que até se dava o nome de barbante de joeira. O melhor, no entanto, é explicar como é que se fazia uma joeira, os investimentos que implicavam e o prazer que dava a seguir de lança-lo ao ar.
O investimento que custava dinheiro na venda, era o barbante – quem mais tivesse, mais alto voava a joeira – e o papel de seda às cores, cuja quantidade variava consoante o tamanho. Nesta altura, este papel que se comprava às folhas na mercearia tinha o nome de ‘papel de joeira’. O resto do material arranjava-se em casa, trapos para o rabo, canas vieiras fininhas dos barrancos e milho cozido ou semilhas cozidas para colar o papel.
A qualidade do produto final dependia, depois, da habilidade do construtor. O jeitinho ajudava e uns tinham mais que os outros. Os irmãos mais velhos, primos e até o avô eram ‘mão de obra’ importante. Momento difícil era a junção das três canas. A joeira clássica é um hexágono, mas havia maiores com oito e doze lados que só conseguiam ser lançados em dias de muito vento. Unir as canas – ou meias canas no caso das joeiras mais pequenas e leves – quase sempre era com ajuda. Um segurava e o outro passava o barbante. Um furo no meio, um reforço redondo. Colado o papel, juntavam-se as guias de fio que se ligavam ao longo do barbante. O rabo era muito importante, servia de contra peso e levava pedaços de pano, quase sempre de lençóis velhos.
Acabada a construção, era ir para o terraço – quase todas as casas da Ilha da Madeira desse tempo tinham um terraço onde se lançava a joeira e se estendia a roupa – e esperar pelo vento. Um ficava a segurar o piloto, o que ficava com a espécie de guiador (um pau onde se enrola o barbante), dava a ordem para largar. E pronto, a joeira, estava no ar, primeiro ainda grande, depois mais pequena, até ficar um ponto no céu, em que já não se distinguia as cores do papel.
Em certos dias, viam-se no céu, em cada sítio, uma meia dúzia, maiores, mais pequenas, com os rabos compridos a fazer ‘esses’. O pior era quando o azar espreitava, o vento mudava e a joeira enrolava-se nos poucos fios da luz. O melhor que se podia fazer era salvar o barbante, que era caro e dava para outra. De resto, a joeira morta, ficava a rodar até ser só um esqueleto e o tempo da chuva desfazer o que restava. E os azares aconteciam, mas os rapazes de há 40 anos não desistiam e voltavam a construir e a lançar a sorte as suas joeiras às cores.”
BalõesPortugal parabeniza Marta Caires, do Jornal Correio da Venezuela, autora deste excelente texto-documentário, que enobrece e valoriza em muito a tradição dos papagaios Joeiras, como forma de uma arte popular.
Publicamos algumas imagens de vários exemplares de joeiras construídos na Ilha da Madeira, que ao longo destes últimos anos vão resistindo e preservando a sua arte.   

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